quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A indignação seletiva e o nosso mea culpa

O que mais choca na morte do empresário Guilherme Brandão, para mim, é a indignação seletiva que desperta dentro de cada um dos maceioenses quando alguém da alta sociedade é assassinado. Não quero dizer aqui que devemos ser passivos. Longe disso. Todo e qualquer assassinato é uma tragédia para as famílias envolvidas, seja na Ponta Verde, seja na Levada.

Há critérios muito bem estabelecidos que ajudam a aumentar ou reduzir o grau de importância que damos às vítimas de assalto ou assassinato. Primeiro, é necessário ser da família. Segundo, basta ser um colega, um primo distante, o filho de um tio de consideração ou um conhecido de bairro. Por último, entram os ricos e conhecidos da cidade. Isso me parece óbvio e ululante. Não digo que está certo ou errado. O incorreto, repito, é a indignação seletiva.

Morreu um dos nossos parentes? Esse bandido cretino e filho da puta tem que morrer. Assassinaram um empresário? Caramba, é inacreditável. Três jovens em um carro preto da moda atiraram e mataram três mendigos? Rodapé do jornal. E isso pode ser explicado: as empresas de comunicação servem aos interesses das classes média e alta, embora os programas “policialescos” tentem passar a ideia de que são feitos para o povão. Balela. No fundo, o pobre não tem voz, vez ou espaço. O seu desabafo, meu filho, dura três minutos na matéria, sem direito a passeata ou investigação aprofundada para encontrar e punir os responsáveis. Ficou claro?

Há, também, uma pitada de subjetivismo exarcebado e individualismo nisso – que se revela todos os dias nas nossas pequenas atitudes, com a nossa enorme dificuldade de separar o público do privado. O sinal está fechado? Fecha-se um cruzamento. A fila tá grande? Ultrapassa pela contramão e mete o bico do carro na frente do primeiro. A atendente deu grana a mais no troco? Dane-se a moça, ela que se vire depois. Morreram 20 pessoas ontem, mas não conheço nenhuma? Esse problema não é comigo...

Defendo a tese de que nós, alagoanos, estamos com os pescoços envoltos por uma corda - engolfados pela violência de verdade, como bem descreveu o jornalista Plíno Fraga, da Revista Piauí, em reportagem especial. Morre um conhecido, amigo ou parente e ela nos aperta, desafogando automaticamente a de outra família. Assassinaram o Guilherme? Os parentes estão fortemente pressionados. Um dia, passa para outra casa. E assim sucessivamente. Nesse nó da violência social, ainda não encontramos o instrumento para cortá-lo, fazemos apenas remendos.

Para diminuir a escalada de violência, não adianta defender a execução em praça pública do assaltante de mercadinho. Se você aceitou viver em um estado democrático de direito, defenda o processo jurídico legal para todos, sem distinção de classe social ou cor. O subjetivismo exacerbado – a exemplo do clamor pela justiça cm as próprias mãos - é um dos grandes responsáveis pelo enfraquecimento das instituições e a dificuldade de estabelecimento e aplicação de normas. Não é uma versão verdadeira e definitiva, frise-se. Mas, para mim, o “individualismo exagerado” é um dos males que afetam diretamente todo o nosso cotidiano.

A possibilidade de modificar a realidade caminha a passos curtos a cada quatro anos. Não adianta, em outubro, votar em um tio porque ele é o seu tio, mesmo que seja um grande corrupto; dar o voto em troca de um cargo comissionado ou ajudar a eleger o "menos pior". Separar o público do privado – e ter a plena convicção de que o Estado não é uma ampliação do quintal de casa – continua sendo o grande desafio e dá a impressão de ser um sonho ainda distante.

Prova disso é o governador de Alagoas, Teotônio Vilela, determinar que o secretário da Defesa Social, Eduardo Tavares, e o delegado-geral Carlos Reis, assumam pessoalmente as investigações do caso,  ao lembrar que guarda um grau de parentesco com o pai da vítima. Mais uma vez, utilizar o público para interesse pessoal.

Não tratei do nosso histórico de violência, do atraso social e econômico - com uma economia dependente das safras do setor sucroalcooleiro – por razões óbvias. É um debate já saturado que também ajuda a compreender as mazelas sociais que assolam Alagoas e o Brasil. Nada disso, porém, é uma versão definitiva ou capaz de explicar a nossa sociedade doente.

Tudo isso que está escrito acima não significa que devemos ignorar o assassinato de Guilherme. Longe disso. Os responsáveis pelo crime devem ser identificados e punidos. A família da vítima vai ter de conviver com essa dor até o último dia da sua existência.
As referências e elogios ao empresário são as melhores possíveis.

É mais uma perda para uma família alagoana e um número nas estatísticas do nosso querido estado com índices de guerra civil. A corda apertou na Ponta Verde nesta quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014. Ding dong! Atenção, pode ser a da sua casa.