- Não há felicidade sem dor. Apaixonar-se por poeta é como
nadar no São Francisco. Tragar cigarro não preenche buracos de solidão. Ouvi
tudo isso no rádio. Intrigante, não?
- Tudo bonitinho para clichê. Mas felicidade não existe, só
momentos felizes. Essa lição pode ser aprendida logo no início da vida com
Odair José.
- É como buscar estrelas em cidade grande. Sempre vai ter
uma lua onde se conformar.
Luana estava no chuveiro há poucos minutos. O sabonete se
espatifara em pedacinhos e um deles calhou de grudar no box. Pressionara-o
entre o polegar e o indicador. Só então percebeu que o vidro desembaraçava. Escorregou as mãos sobre os peitos para espalhar a água enquanto
deixava os ombros encharcarem. O espelho aconselhava mudanças.
- Sabe aquela história de exercícios para aumentar o nível
de confiança e autoestima?
- Por onde vai começar dessa vez?
- Caminhadas regulares.
- Está bem.
- O desdém segue sendo seu mantra.
- Você não consegue viver sem a bebida, o cigarro e mim. São
as três principais drogas. É nisso que acredito.
- Já superei piores.
- Vá em frente. Se tiver sucesso nas duas primeiras
empreitadas, espero que não alcance a terceira.
Juliano desgrudou os pés do chão para alcançar a mesa, onde
largou a revista semanal. Alcançou palitos de dente e o controle da TV.
- “Polícia prende
homem suspeito de assassinato da filha de empresários do ramo imobiliário”
- Tome esta família como exemplo. Os pais trabalharam duro
para construir algo e resolveram ter filhos. Eles nascem, recebem brinquedos,
fazem festas de aniversário e atravessam continentes. Um dia, tudo isso acaba a
facadas.
- Dez minutos que vão ecoar por toda uma vida.
- Exato. Parece haver sempre alguma compensação na vida.
- Como um troco por aquilo que você fez a alguém?
- Pode ser. Até mesmo mais que isso. É preciso andar com o
ceticismo lado a lado. Não pode estar à frente para não te deixar parado em uma
cama ou atrás para não te pegar desprevenido.
- Quando você vai voltar a escrever? Essas conversas sempre
rendem bons contrapontos.
- Breve. Sou um escritor pessimista, mas as pessoas também
procuram temas assim por alguma razão. Não só de autoajuda sobrevivem as
livrarias, embora esses livros ocupem as estantes onde você mete o olho imediatamente
assim que entra em uma delas.
- Deve rolar uma identificação por parte daquelas que
frequentam bares mais alternativos e submergem nos temas.
- As pessoas que mais duvidam esgotam os sofás dos psicólogos.
- E as mais distraídas são as mais felizes.