domingo, 30 de agosto de 2015

Devaneios regulares

- Não há felicidade sem dor. Apaixonar-se por poeta é como nadar no São Francisco. Tragar cigarro não preenche buracos de solidão. Ouvi tudo isso no rádio. Intrigante, não?

- Tudo bonitinho para clichê. Mas felicidade não existe, só momentos felizes. Essa lição pode ser aprendida logo no início da vida com Odair José.

- É como buscar estrelas em cidade grande. Sempre vai ter uma lua onde se conformar.

Luana estava no chuveiro há poucos minutos. O sabonete se espatifara em pedacinhos e um deles calhou de grudar no box. Pressionara-o entre o polegar e o indicador. Só então percebeu que o vidro desembaraçava. Escorregou as mãos sobre os peitos para espalhar a água enquanto deixava os ombros encharcarem. O espelho aconselhava mudanças.

- Sabe aquela história de exercícios para aumentar o nível de confiança e autoestima?

- Por onde vai começar dessa vez?

- Caminhadas regulares.

- Está bem.

- O desdém segue sendo seu mantra.

- Você não consegue viver sem a bebida, o cigarro e mim. São as três principais drogas. É nisso que acredito.

- Já superei piores.

- Vá em frente. Se tiver sucesso nas duas primeiras empreitadas, espero que não alcance a terceira.

Juliano desgrudou os pés do chão para alcançar a mesa, onde largou a revista semanal. Alcançou palitos de dente e o controle da TV.

- “Polícia prende homem suspeito de assassinato da filha de empresários do ramo imobiliário”

- Tome esta família como exemplo. Os pais trabalharam duro para construir algo e resolveram ter filhos. Eles nascem, recebem brinquedos, fazem festas de aniversário e atravessam continentes. Um dia, tudo isso acaba a facadas.

- Dez minutos que vão ecoar por toda uma vida.

- Exato. Parece haver sempre alguma compensação na vida.

- Como um troco por aquilo que você fez a alguém?

- Pode ser. Até mesmo mais que isso. É preciso andar com o ceticismo lado a lado. Não pode estar à frente para não te deixar parado em uma cama ou atrás para não te pegar desprevenido.  

- Quando você vai voltar a escrever? Essas conversas sempre rendem bons contrapontos.

- Breve. Sou um escritor pessimista, mas as pessoas também procuram temas assim por alguma razão. Não só de autoajuda sobrevivem as livrarias, embora esses livros ocupem as estantes onde você mete o olho imediatamente assim que entra em uma delas.

- Deve rolar uma identificação por parte daquelas que frequentam bares mais alternativos e submergem nos temas.

- As pessoas que mais duvidam esgotam os sofás dos psicólogos.

- E as mais distraídas são as mais felizes.

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