quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Por amor, um herói pode virar vilão




A sirene do guarda que circula pela rua todas as noites toca pela terceira vez seguida e já está na hora de abrir os olhos. É desta forma que o pedreiro alagoano fica sabendo que o ponteiro já marca 5 horas da manhã – ou da madrugada. Levanta-se, dirige-se ao banheiro e, por fim, vai à cozinha para fazer a primeira refeição do dia, o cafezinho da noite passada requentado e um farto prato de inhame com ovo, às vezes troca-se o inhame pelo cuscuz. Enquanto isso ele ouve uma sirene diferente, era a sirene da polícia que estava no bairro para capturar um traficante que não pagara a propina corretamente.

O operário mudou-se para a capital com a família porque já não conseguia sustenta-la como trabalhador na usina. Há poucos dias na capital, vira um letreiro numa grande obra que oferecia vaga para pedreiros. De imediato, aceitou. Sua rotina profissional, desde então, passou a ser ma ocupada com a construção do empreendimento, mas, em contrapartida, a familiar ainda causava dores de cabeça. A mulher e o filho de 5 anos passavam o dia todo em casa; a primeira cuidando do lar e quando sobrava tempo, dedicava-o à costura; o segundo acordava cedo para acompanhar os desenhos matinais – e é justamente aí que estava o problema.

O moleque, desde o primeiro dia de mudança, vem pedindo fervorosamente ao pai o conjunto de brinquedos do herói que vê nos comerciais da tevê; quando o pedido é negado sob o pretexto da falta de recursos, começa o chororô incontrolável que só termina depois de um ou dois gritos. O pedreiro decide, então, que vai arranjar uma forma de presentear o garoto no Natal que se avizinha, mas logo toma nota que não recebera ainda o primeiro salário. Naquele dia claro e cheio de sirenes, a reviravolta em sua vida começaria.

Com a dispensa da hora final de trabalho concedida pelo o mestre da obra, encaminhou-se ao portão principal, lugar que dava para ver perfeitamente as vitrines das lojas nessa área nobre da cidade. Confuso, com medo e preocupado, dirigiu-se à loja de brinquedos infantis. Parou por um instante, olhou para o relógio, sacou uma foto do filho no bolso e ganhou forças para aquilo que iria fazer. Entrou na loja como quem nada quer, perguntou a atendente onde estava o conjuntinho do herói e deixou à mostra no balcão a faca que trouxera. Assustados, os clientes correram e os empregados viram-se sozinhos com o bandido. Para o azar deste, um carro da polícia trafegava pela rua no exato momento – sim, a polícia está nas ruas em áreas nobres - e os policiais prenderam o pobre rapaz.

Na delegacia, não deu outra: levou socos e pontapés dos policiais sob as ordens de um delegado narigudo. Na cadeia, foi submetido a uma cela repleta de estupradores, pedófilos e homens acusados de homicídios duplamente qualificados. Agora, seu mundo estava diferente, aquele convívio brutal poderia influenciar o futuro do rapaz da história.

Mas, com a ajuda de um amigo que fizera na hora do almoço, endereçou uma carta para sua mulher e seu filho, nela havia trechos de livros famosos. A certa altura, a carta dizia mais ou menos assim:

“Querida mulé, perdoa tudo que eu fis não sei aonde estava com a cabessa mas saiba que fis tudo iso por nós.

Filho, pesso que fiqe calmo e cuide da sua mãe emquanto estou aqi.

Por você faria iso mil veses.

Fis o que pude.

Te amo”

E, assim, provou que heróis em carne viva tornam-se vilões numa fração de anos.

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