Às 21h de um sábado qualquer, duas famílias têm motivo de
sobra para comemorar: os novos membros acabaram de nascer. O comum entre eles? Apenas a hora do
nascimento.
Renato desabrochara no Hospital Paulo Wolf ( zona sul). O
melhor do estado. É particular.
Brotara através de uma cesariana, gorduchinho e com as
bochechas vermelhas. Pesava 4.100 kg.
Ingressará no Colégio Referência e na natação. Aos 7 anos, descobrirá a paixão pelo tênis.
Sonhará em ser profissional, mas como a mãe é contraria à ideia, concentrará as
atenções noutra profissão.
Mais tarde, um acidente de bicicleta causa-lhe arranhões nas
pernas e uma fratura no braço. Voltará ao hospital e de lá sairá, bonito e bem
tratado, diga-se.
Aos 17, resolve o dilema profissional entre “ganhar e
ganhar” dinheiro. Desistirá da medicina.
Será jurista.
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João Kleiton, o “venta”, fora cuspido no Hospital Epitáfio
Lourenço (zona norte), que tem difícil acesso. Um dos piores. Público.
Fora expulso, por um parto normal, franzino e grande. Pesava
2.500 kg. A mãe é rica em leite. Ufa! Ao menos isso.
Aos 3, tentará, sem sucesso, o ingresso numa Escola
Estadual. Um ano mais tarde, será aceito na Escola Municipal João Pedro.
O futebol, sua grande paixão, será deixado de lado, ao menos
por enquanto, porque a rua está tomada por traficantes.
Aos 14, com a mãe desempregada, trocará os estudos pelo
trabalho no mercadinho. A grana será
curta.
Um ano depois, à noite, sofrerá preconceito enquanto trafega
num bairro nobre da capital. Duas facadas atingem-no a perna direita. Ao
embate, seu amigo não resistirá
Refletirá pouco depois: sem infância, sem estudo, sem
trabalho, sem grana , sem amigo, sem lazer.
Com ócio.
O que falta o futuro reservar a João?
Uma opção: ser ladrão.