O que mais choca na morte do empresário Guilherme Brandão, para mim, é a indignação
seletiva que desperta dentro de cada um dos maceioenses quando alguém da alta
sociedade é assassinado. Não quero dizer aqui que devemos ser passivos. Longe
disso. Todo e qualquer assassinato é uma tragédia para as famílias envolvidas,
seja na Ponta Verde, seja na Levada.
Há critérios
muito bem estabelecidos que ajudam a aumentar ou reduzir o grau de importância que
damos às vítimas de assalto ou assassinato. Primeiro, é necessário ser da família.
Segundo, basta ser um colega, um primo distante, o filho de um tio de
consideração ou um conhecido de bairro. Por último, entram os ricos e
conhecidos da cidade. Isso me parece óbvio e ululante. Não digo que está certo
ou errado. O incorreto, repito, é a indignação seletiva.
Morreu um dos
nossos parentes? Esse bandido cretino e filho da puta tem que morrer.
Assassinaram um empresário? Caramba, é inacreditável. Três jovens em um carro
preto da moda atiraram e mataram três mendigos? Rodapé do jornal. E isso pode
ser explicado: as empresas de comunicação servem aos interesses das classes
média e alta, embora os programas “policialescos” tentem passar a ideia de que
são feitos para o povão. Balela. No fundo, o pobre não tem voz, vez ou espaço. O
seu desabafo, meu filho, dura três minutos na matéria, sem direito a passeata
ou investigação aprofundada para encontrar e punir os responsáveis. Ficou claro?
Há, também,
uma pitada de subjetivismo exarcebado e individualismo nisso – que se revela
todos os dias nas nossas pequenas atitudes, com a nossa enorme dificuldade de
separar o público do privado. O sinal está fechado? Fecha-se um cruzamento. A
fila tá grande? Ultrapassa pela contramão e mete o bico do carro na frente do
primeiro. A atendente deu grana a mais no troco? Dane-se a moça, ela que se
vire depois. Morreram 20 pessoas ontem, mas não conheço nenhuma? Esse problema
não é comigo...
Defendo a tese
de que nós, alagoanos, estamos com os pescoços envoltos por uma corda - engolfados
pela violência de verdade, como bem descreveu o jornalista Plíno Fraga, da
Revista Piauí, em reportagem especial. Morre um conhecido, amigo ou parente e
ela nos aperta, desafogando automaticamente a de outra família. Assassinaram o
Guilherme? Os parentes estão fortemente pressionados. Um dia, passa para outra
casa. E assim sucessivamente. Nesse nó da violência social, ainda não
encontramos o instrumento para cortá-lo, fazemos apenas remendos.
Para diminuir
a escalada de violência, não adianta defender a execução em praça pública do
assaltante de mercadinho. Se você aceitou viver em um estado democrático de
direito, defenda o processo jurídico legal para todos, sem distinção de classe
social ou cor. O subjetivismo exacerbado – a exemplo do clamor pela justiça cm
as próprias mãos - é um dos grandes responsáveis pelo enfraquecimento das
instituições e a dificuldade de estabelecimento e aplicação de normas. Não é
uma versão verdadeira e definitiva, frise-se. Mas, para mim, o “individualismo exagerado” é um dos males que afetam
diretamente todo o nosso cotidiano.
A
possibilidade de modificar a realidade caminha a passos curtos a cada quatro
anos. Não adianta, em outubro, votar em um tio porque ele é o seu tio, mesmo que
seja um grande corrupto; dar o voto em troca de um cargo comissionado ou ajudar a eleger o "menos pior". Separar o público do privado – e ter a plena convicção
de que o Estado não é uma ampliação do quintal de casa – continua sendo o
grande desafio e dá a impressão de ser um sonho ainda distante.
Prova disso é o governador de Alagoas, Teotônio Vilela, determinar que o secretário da Defesa Social, Eduardo Tavares, e o delegado-geral Carlos Reis, assumam pessoalmente as investigações do caso, ao lembrar que guarda um grau de parentesco com o pai da vítima. Mais uma vez, utilizar o público para interesse pessoal.
Prova disso é o governador de Alagoas, Teotônio Vilela, determinar que o secretário da Defesa Social, Eduardo Tavares, e o delegado-geral Carlos Reis, assumam pessoalmente as investigações do caso, ao lembrar que guarda um grau de parentesco com o pai da vítima. Mais uma vez, utilizar o público para interesse pessoal.
Não tratei do
nosso histórico de violência, do atraso social e econômico - com uma economia
dependente das safras do setor sucroalcooleiro – por razões óbvias. É um debate
já saturado que também ajuda a compreender as mazelas sociais que assolam
Alagoas e o Brasil. Nada disso, porém, é uma versão definitiva ou capaz de
explicar a nossa sociedade doente.
Tudo isso que
está escrito acima não significa que devemos ignorar o assassinato de
Guilherme. Longe disso. Os responsáveis pelo crime devem ser identificados e
punidos. A família da vítima vai ter de conviver com essa dor até o último dia
da sua existência.
As
referências e elogios ao empresário são as melhores possíveis.
É mais uma
perda para uma família alagoana e um número nas estatísticas do nosso querido
estado com índices de guerra civil. A corda apertou na Ponta Verde nesta
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014. Ding dong! Atenção, pode ser a da sua
casa.
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