Cenários, personagens e ideologia fazem parte da memória do diretor e roteirista maceioense
Em pé sobre a sua canoa “Tira Teima”, o inquieto Taoca se espanta quando Deus revela o desejo de ir à feira de Penedo. Para, reflete rapidamente e se vira para o seu interlocutor. Sem pensar duas vezes, dispara: “O senhor sabe que feira é coisa de antigamente, né? Coisa de zé povinho”. O pescador interpretado por Wágner Moura é mesmo um sujeito ousado.
A cena do filme “Deus é brasileiro” - adaptação da obra de João Ubaldo Ribeiro - revela um pouco da relação umbilical entre o cineasta e roteirista Cacá Diegues e sua terra natal, Alagoas. Tanto Deus quanto Taoca apresentam traços característicos da “alagoanidade” ao longo da película.
Enquanto o criador representa o típico maceioense da alta sociedade - com a voz grave e jeito imponente - a criatura, fraca, possui trejeitos típicos do cidadão interiorano, com a incapacidade de se comunicar sem repousar a mão sobre a cintura ou remexer os braços.
Para o jornalista alagoano Luiz Gutemberg - que já trabalhou no Jornal do Brasil e na Veja -, Taoca é um dos personagens mais engraçados que Alagoas já teve. “É um personagem com uma graça muito grande, sempre com a ‘alagoanidade’. Os traços do Fagundes também são muito alagoanos. É uma transposição para a nossa realidade”.
A tão falada “alagoanidade”, no entanto, transcende os traços dos personagens. Em suas obras, o cineasta explora até a última gota as belezas naturais de Alagoas. As paisagens remetem à infância do garoto Carlos, em suas andançascom os pais pelo interior do estado. Quando adulto, o filho da terra decidiu projetar aquelas mesmas sensações que teve quando pequeno para a apreciação e deleite do seu público.
Em Bye Bye Brasil, a arte imita a vida
Crédito: Divulgação / Site oficial Carlos Diegues |
Convidado para ser júri no Festival Internacional de Cannes - no início da década de 80 – o alagoano não escondia a satisfação e o nervosismo. Enquanto seus colegas subiam os degraus da imponente escadaria, o cineasta se atrasou por algum motivo e recebeu um puxão de orelhas do amigo Gláuber Rocha: “Cacá! Cacá! Vem!” . A plateia caiu na gargalhada e, embaraçado, decidiu que daquele dia em diante seria Carlos Diegues: Cacá, em francês, remete a cocô.
Ao contrário do apelido, Cacá Político aproveitador (à direita) revela que a obra de Cacá é atemporal não tem vergonha de expor as mazelas da sua terra nas produções. Em “Bye Bye Brasil”, a caravana Rolidei desembarca na cidade de Piranhas para uma única apresentação à noite. Convidado indispensável, o prefeito da cidade se aproveita politicamente quando Lorde Cigano faz nevar na plateia. “Está nevando na minha gestão”, declara o radiante político ao lado de sua dama na primeira fila.
Não seria possível retratar fielmente o estado apenas com os trejeitos e personagens alagoanos. A adaptação exige ainda o uso das gírias locais. Certamente, qualquer forasteiro sente dificuldade em compreender o significado do verbo “bulir” ou da expressão “zé povinho” aliado ao sotaque arrastado de Taoca e Madá. Quando o irmão da pobre moça faleceu, o velório mostrou outra face da cultura alagoana: o acolhimento por parte da família - no próprio lar - dos parentes e amigos.
O auge da relação ainda estava por vir. O plano geral na praia da Avenida, em Maceió, deixa bobo o sanfoneiro, que pergunta a Lorde Cigano se poderia molhar os pés na água. O malandro, assustado, não perde a oportunidade de dar uma lição de moral em seu pupilo: “Não. Mar de cidade é cheio de cocô. Altamente poluído”. A imagem, então, mostra a língua negra desaguando toda a sua podridão no mar. A arte imitando a vida.
Reportagem escrita para obtenção de nota na disciplina Edição em Mídia Impressa, da Ufal.
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