domingo, 18 de janeiro de 2015

Muelle

Ele a puxou usando apenas os olhos. Não precisava de mais nada, como agarrar os braços contra a vontade dela. Sabia que se entendiam bem, dispensando até mesmo palavras. Ela virá e não tomará esse gesto como uma ofensa, pensou. De fato, Cora não deu as costas. Estavam ali, na rua Paseo de San Gabriel, caminhando vagarosamente pelo calçadão, cerca do Rio de La Plata. Ficou feliz por ela ter ficado elo menos para uma conversa.

- O que você quer?

- O que você diria?

- Sobre o quê?

- Sobre estarmos aqui, em Colônia do Sacramento. Eu me perguntava: quando vou trazê-la aqui?

- O sol se pondo talvez seja o indicio de que está um pouco tarde, não acha?

Martin pensara imediatamente no muelle da cidade, que não fazia ideia do que fosse quando ouviu essa palavra pela primeira vez. Sabia apenas que os uruguaios pronunciam o "ll" como "x". Há sempre alguns barcos e jovens que se reúnem aí para ver a despedida do sol mais bonita do mundo, disseram-lhe. Não pagou para ver, porque mesmo que se considere o céptico dos mais cépticos, o acesso é livre. Sentou-se no piso de madeira, que deixava brechas entre uma peça e outra, mortais para uma mulher de salto alto. Mas quem estaria ali com um sapato assim? O fato é que se minha carteira cair aqui estou perdido, imaginou. Esperou pelo fim da jornada de trabalho da esfera amarela. A cidade para para assistir à despedida, é um evento que não se cancela. Vai se despedindo rapidamente, dependendo do ponto de vista. Os barcos mais próximos da doca desaparecem, depois a própria doca e, por fim, a bola de fogo, a esta altura nada mais que faísca.É realmente lindo, dessas coisas que eu deveria fazer com Cora algum dia, pensou.

- Falando nisso, você já foi ao Muelle no fim da tarde?

- Você já me levou lá. Anda esquecido?

- Muda esse olhar de adeus, Cora. Veja aquele velhinho que sentado ali na esquina, com aparência de 80 anos. Deve ter passado pelo portão da cidade, tomado um sorvete caseiro ali perto e caminhado pela praça gigante do bairro histórico até chegar ao seu martírio final. Sequer tem a companhia de um cachorro, já que esse animal vive a brigar por território nessa cidade. Das duas, uma: pode ter esperado demais ou optado por viver na amargura. Sobreviver, na verdade, porque o viver não tem significado dessa forma.

- Você trabalha muito com o condicional. Não penso assim, certamente vai chegar alguém.

O caminho de volta os levou até o farol da cidade. Ainda havia muitos turistas na fila. Paga-se 20 pesos uruguaios para subir até o topo, num caminho apertado de degraus verdes. Por vezes, é necessário curvar o corpo. A vista lá do alto é compensadora. Eucaliptos margeiam o ponto turístico, e as casinhas da cidade ficam ainda mais horizontais e pequenas nas ruas de paralelepípedo do bairro, que é a própria história. As colonizações espanhola e portuguesa convivem harmonicamente, pelo menos nos dias atuais e vindouros, assim esperamos. Quanto mais os visitantes sobem e maiores forem os obstáculos, maiores também a expectativa e a recompensa. A vida, pois.

Tudo já estava preto, e naquela época do ano, no inverno, as estrelas não costumam dar as caras.

- Eu já estou indo amanhã. Você quer viajar comigo de novo? – perguntou Martin.

- Para amar plenamente é necessário ter boa digestão. E eu nunca tive gastrite, você bem sabe – respondeu, de pronto, Cora. Pelo menos foi assim que ele imaginou se ela estivesse fisicamente ali.

Um comentário:

  1. Salve, amigo Caio. Veia saliente de escritor. Há sangue nas frases, há vida. Bravíssimo!

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