terça-feira, 20 de setembro de 2011

O drama de um caranguejo que fala




Crash! A estrutura cai e, juntamente a ela, todas as pessoas presentes no local. A queda me deixara imóvel, bem próximo ao chão e com o meu pé direito sobre o solo sendo esmagado por outro pé. Minha perna esquerda está antagonicamente posicionada e flexionada para cima, presa entre os corpos de outras pessoas. Meu braço esquerdo sendo esmagado por dois corpos, provavelmente os mesmos, e ainda segurando o refrigerante. Aflito, mexo minha cabeça para os dois lados e só enxergo costas e camisas. Levanto-a pra cima e, enfim, respiro.

Enquanto isso, a onomatopéia da queda agora virou grito das vítimas, principalmente das mulheres. “Calma! Calma!”, berravam alguns encorajadores também presos, mas o temor estava em mim, confesso que estava desesperado. A boca e os olhos bem abertos esbanjavam o medo que sentia naquela hora, principalmente por ter inúmeros outros corpos sobre mim e já imaginava ter que suportar todo aquele peso por um bom tempo, até que minhas pernas desistissem e escorregassem no terreno de lamaçal. Mais tarde voltarei a falar do terreno. Não conseguia me acalmar. “Calma, tão tirando!”, gritavam agora os encorajadores e isso fez aliviar um pouco a minha tensão. Fomos, em boa parte, salvos pelas mãos dos que não caíram.

O resultado dessa experiência ainda me dói física e psicologicamente. Não dá pra esquecer as minúcias do momento da queda e a posição do meu corpo quando preso. Quanto à parte física, meu braço esquerdo ainda dói, mas se for olhar por esse lado, ainda tive sorte quando comparado aos danos que outros sofreram com a queda. O show pra mim já não fazia sentido, a negligência, pra não falar outra coisa, na construção do camarote me deixou abismado. Só pra completar a cena, eu caí dentro do camarote, embora, em post veiculado num blog, o produtor tenha alegado que só a escada de acesso caiu e não o camarote.

Agora, já resguardado e seguro no aconchego da minha casa, que me oferece uma digna estrutura, diga-se de passagem, leio no mesmo post do produtor que nós temos que mudar esse conceito de que Alagoas é a “terra da síndrome do caranguejo”, onde as pessoas procuram sempre “derrubar” e “falar mal” dos que procuram fazer alguma coisa pela cidade ou pelo estado. Desculpe, mas tenho que discordar, senhor produtor. Caranguejos éramos nós. Caranguejos-humanos.

Éramos caranguejos amarelos, vermelhos, marrons e azulados que se espremiam uns nos outros sobre o mangue num instinto de sobrevivência para tentar escapar, pisando e machucando uns aos outros para tentar sair primeiro, como os próprios caranguejos fazem tentando sair do tanque onde são criados. Talvez nossa principal diferença em relação aos siris, nossas patas em forma de unha que facilitam na locomoção terrestre, tenha nos ajudado a escapar da situação. Mas agora, como já disse acima, minha pata esquerda ainda dói, o que hei de fazer?

Sinto informar, também, que o festival não foi um sucesso pelo motivo já explicado nesse relato pessoal, mesmo que o senhor procure minimizar o acontecido e ampliar os pontos positivos, defendido por uma massa de, digamos, cabeças de camarão que insistem em repetir o seu ditado sobre nós, caranguejos.

Viramos caranguejos e os senhores, (ir) responsáveis e baba-ovos de alto escalão, transformaram-se em camarões. Espero que não se sintam ofendidos, embora tenha que admitir aqui o motivo do apelido “camarão”: pelo que carregam na cabeça ao falar sem pensar.

Só pra pôr um fim no acontecido, asseguro que não temos nenhuma síndrome. Temos mesmo é a revolta, a revolta de quem pagou caro, até mesmo um peixe, por uma estrutura patética.

E assim vou terminando, dois dias após o ocorrido. Mas como dizia Chico " A dor da gente não sai no jornal".

Passar bem com os nossos peixes.

2 comentários:

  1. O que me dá (muita) raiva é ver as pessoas que estavam no evento, mas não enxergam o ocorrido. Muitas chegaram em casa e correram para dizer nas redes sociais que o evento foi "perfeito", inflando o ego dos (des)organizadores. Só nos mostra quão "umbiguistas" e alienados ainda somos - e é por isso que não caminhamos para a frente, como caranguejos. Sem falar da concepção de "perfeição" que as pessoas têm, Platão se debate no túmulo. É lamentável.

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  2. Concordo com tudo isso aí que você falou, amiga. Citar como "perfeito" algo que ofereceu risco a outras pessoas é ser "umbiguista" demais.

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