sábado, 29 de outubro de 2011
Quanto vale um flanelinha?
Por volta das onze da noite em Jaraguá, velho bairro que já foi área nobre:
- Direita. Direita. Mais. Mais. Pode vir. Desenrola. Vem. Vem. Vem. Pronto.
Desligara o carro e, poucos segundos depois, o flanelinha já estava a esperar o dinheiro em troca da “bisurada” por toda a noite. Parado ao lado da porta do motorista, apenas o vidro do carro me separava do seu corpo, fortalecendo a relação entre o medo e a desconfiança. Medo porque nunca fui de confiar em pessoas que não conheço; desconfiança por uma possível conseqüência.
Possível conseqüência? Sim. A partir do momento que eu abrira a porta do carro para sair, a barreira do vidro já não existia e o rapaz se aproximou. Numa mistura de necessidade com pressão, exigiu:
- 10 reais
Convenhamos que 10 reais seja um valor altíssimo, levando-se em consideração a minha certeza de que ele não passaria nem duas horas ali fora do pub. Então, afirmei com propriedade:
- Beleza - Saí andando para tentar fugir da situação.
- Tem que pagar agora - dissera o flanelinha olhando para o lado, numa mistura de nervosismo e pressa.
- Não tenho 10 reais, vou ter que trocar.
- Eu troco – afirmara quase que instantaneamente.
- Não, mas eu não tenho realmente o dinheiro - tentei desconversar mostrando firmeza e clareza.
Com essa justificativa, fui comprar meu ingresso para entrar no pub com um receio “Se eu não der algum dinheiro, pode ser pior. Eu tenho certeza de que ele não vai ficar aqui, mas é melhor garantir o estado do meu carro enquanto o rapaz estiver por perto”. Enquanto garantia meu ingresso, era espiado com olhos bem próximos do flanelinha, embora o mesmo estivesse a uma certa distância. Resolvi voltar para conversar:
- Olha, não tenho dinheiro, a mulher não trocou na bilheteria, vou ter que trocar lá dentro.
- Mas quanto é que você tem ai? É 20 ou 50? Eu troco – insistira.
- Mas eu tou sem dinheiro, quem tem é o meu amigo da banda - a única desculpa que viera a minha cuca, muito sem noção, confesso.
- Me dê 5 reais, então
-Faz o seguinte, vou lá dentro comprar algo pra trocar o dinheiro, tá?
- Me dê 2 reais.
- Mas eu estou sem, vou trocar agora.
Entrei no pub e sentei no banco para relaxar. Como eu estava visivelmente preocupado com as conseqüências, meu amigo sacara do bolso uma nota de 2 reais. Resolvi deixar minha consciência tranqüila; pagara os 2 reais e estava de volta ao pub para aproveitar a noite. Percebi que contribuíra com algum tipo de vício do rapaz pelo estado visivelmente alterado que ele apresentara. Tinha a certeza de que ele não estaria por lá na volta.
De fato, não estava.
Fim da noite, muitos carros já tinham saído e eu chegava perto do meu. Entrei e avistei de imediato a presença de outro flanelinha, que estava mais alterado ainda. Só me restou falar:
- Mas eu já paguei ao outro, ele estava aqui assim que eu cheguei.
- Ah, mas bla bla bla – pronunciando qualquer outro idioma, só não era o português.
- Mas eu já paguei, pô!
- Tá vendo como fica a situação? Você est... –dando seqüência a tudo aquilo que eu nada entendia.
Fechei o vidro do carro e disparei com o alerta do meu amigo:
- Corre!
Passei rapidamente da primeira para a segunda marcha e saí. Os flanelinhas continuarão no mesmo lugar – por semanas, meses ou anos - esquecidos por aqueles que governam nosso estado. Saí pensando sobre o medo e insegurança que se fizeram presentes momentos antes. Mas e quanto a eles? Medo e insegurança certamente penetram nos sonhos e pesadelos todas as noites. Pesadelos com um estado assassino de moradores de rua. Saí dali e do meu risco, aqueles rapazes não.
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gostei caio, legal a ligação que você fez entre o dia-a-dia e os muitos problemas do governo.. gostei mesmo!
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